O Nascimento

 


Nem todo nascimento se vê; alguns apenas se percebem quando já começaram a nos deslocar por dentro.


Os cristãos orientais “creem” naquilo que a Tradição afirma ter sido visto e vivido por aqueles que viram e viveram. Bem valha a redundância.
Eles tomam o Evangelho como a Voz de Deus que fala a partir dos fatos da vida de seu Filho Primogênito, e é exatamente nesse ponto que Jesus se torna fronteira do tempo, começo e fim, alfa e ômega daquilo que nos foi manifestado. Do que aconteceu e se fez história; do que foi palavra e se fez Verbo; do que se revelou aos olhos e se fez carne.

Não explicamos o que não entendemos, mas também não o negamos. Por isso, muitas vezes, aos olhos da sensibilidade ocidental, parecemos irracionais. No entanto, o que ocorre é que não tememos parecer irracionais; tememos, sim, parecer insubstanciais.

Há coisas que jamais serão revelações coletivas; há experiências que são pessoais e que, ainda assim, continuarão impossíveis de explicar. O próprio Cristo o afirma quando diz:
«Porque olham sem ver e escutam sem ouvir nem compreender.» (Mateus 13,13)

A percepção do sagrado não depende dos sentidos físicos nem da inteligência lógica, mas de uma disposição interior. Jesus não diz que falta informação. Diz que falta abertura. Diz que olhamos, mas não vemos.

Uma palmeira que se inclina no deserto diante de uma rajada de vento nós a vemos mover-se numa direção; ouvimos o roçar de suas folhas umas contra as outras, mas não vemos o vento que as move. Ainda assim, sabemos do vento pela percepção que todos os nossos sentidos têm dele. Há coisas que estão diante dos olhos e, no entanto, não são vistas.

Por isso Ele diz:
«Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.» (Mateus 13,9)
Ele não explica, não argumenta; exige uma disposição interior. Chama-nos a discernir aquilo que não vemos, porque não diz: “quem tem olhos para ver, que veja”. Há coisas que nunca veremos com os olhos da terra, mesmo estando entre nós desde sempre, mesmo sendo-nos familiares. Como o vento.

Jesus não explica o mundo: Ele o atravessa. Não ordena a história de cima: entra nela por baixo. Não responde perguntas: torna-as inevitáveis, provoca-as. E assim como ninguém se recorda do próprio nascimento, mas toda a sua vida é marcada por ele, também o nascimento de Cristo nunca é plenamente compreendido. É vivido. É carregado. É deixado crescer.

E não precisa ser entendido. Precisa que tenhamos consciência do seu mistério e que esse mistério nos provoque perguntas, nos arranque bruscamente da comodidade do conhecido, nos desloque, não nos permita apoiar-nos no óbvio. Que nos expulse do cotidiano e nos mergulhe na dúvida. Porque sem o chão firme do que é conhecido, sem a comodidade das formas herdadas, a fé deixa de ser paisagem e se torna ato interior, proposta pessoal, combate permanente conosco mesmos.

Já não importa o que passou ou o que virá. Já não importa ver o vento: simplesmente o estás sentindo. E não há cenário capaz de substituir a experiência. Não há costume que substitua a convicção. Eis a resposta: o mistério se habita, ou se dilui.

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