O Nascimento
Não explicamos o que não entendemos, mas também não o negamos. Por isso, muitas vezes, aos olhos da sensibilidade ocidental, parecemos irracionais. No entanto, o que ocorre é que não tememos parecer irracionais; tememos, sim, parecer insubstanciais.
A percepção do sagrado não depende dos sentidos físicos nem da inteligência lógica, mas de uma disposição interior. Jesus não diz que falta informação. Diz que falta abertura. Diz que olhamos, mas não vemos.
Uma palmeira que se inclina no deserto diante de uma rajada de vento nós a vemos mover-se numa direção; ouvimos o roçar de suas folhas umas contra as outras, mas não vemos o vento que as move. Ainda assim, sabemos do vento pela percepção que todos os nossos sentidos têm dele. Há coisas que estão diante dos olhos e, no entanto, não são vistas.
Jesus não explica o mundo: Ele o atravessa. Não ordena a história de cima: entra nela por baixo. Não responde perguntas: torna-as inevitáveis, provoca-as. E assim como ninguém se recorda do próprio nascimento, mas toda a sua vida é marcada por ele, também o nascimento de Cristo nunca é plenamente compreendido. É vivido. É carregado. É deixado crescer.
E não precisa ser entendido. Precisa que tenhamos consciência do seu mistério e que esse mistério nos provoque perguntas, nos arranque bruscamente da comodidade do conhecido, nos desloque, não nos permita apoiar-nos no óbvio. Que nos expulse do cotidiano e nos mergulhe na dúvida. Porque sem o chão firme do que é conhecido, sem a comodidade das formas herdadas, a fé deixa de ser paisagem e se torna ato interior, proposta pessoal, combate permanente conosco mesmos.
Já não importa o que passou ou o que virá. Já não importa ver o vento: simplesmente o estás sentindo. E não há cenário capaz de substituir a experiência. Não há costume que substitua a convicção. Eis a resposta: o mistério se habita, ou se dilui.

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