Memórias Do Caminho

 


A unidade nem sempre se constrói pela uniformidade, mas pela fidelidade.


É em Jesus que, no ano 49, os apóstolos conservaram a unidade apesar das diferenças. Humanamente, cada um deles, a partir da cruz, tomou sua mochila, calçou as sandálias e saiu pelos caminhos para contar o que havia visto e ensinar o que havia compreendido. Mas nem todos viram a mesma coisa, nem entenderam da mesma forma. Assim como o universo criado por um único Deus, também eles eram frutos diversos de uma mesma planta.

Essa é exatamente a raiz viva das Igrejas orientais: não uma cisão, não uma adaptação cultural, não um acidente geográfico… mas a continuação direta daquele momento fundacional em que a unidade se manteve em meio à diversidade, não por uniformidade, mas por comunhão em Cristo.

O que aconteceu no ano 49 em Jerusalém — o chamado Concílio Apostólico — é o primeiro sinal de uma Igreja católica no verdadeiro sentido do termo: diversa, viva, encarnada em culturas distintas, mas unida pelo centro trinitário de Cristo ressuscitado.

As Igrejas orientais são, em essência, a memória viva desse modelo eclesial: onde a unidade não exige homogeneidade, mas fidelidade ao mesmo Mistério.
onde a Tradição não é uma estrutura, mas uma vida recebida e transmitida.
onde cada Igreja nasce de uma experiência apostólica particular, com sua própria língua, canto, gesto e sensibilidade, mas todas marcadas pelo mesmo Cristo.

“Nem todos viram a mesma coisa, nem entenderam da mesma forma.”
E, no entanto, a Igreja não se rompeu, porque não era uma ideia que os unia, mas uma Pessoa viva.

As Igrejas orientais não precisam justificar-se diante de Roma, porque nasceram antes que Roma se tornasse uma estrutura de centralidade universal. São a Igreja que caminhou desde o princípio com os pés descalços de Simão Pedro, Tomé, André, Marcos, Tadeu, e de tantos outros que levaram o fogo a Antioquia, Alexandria, Edessa, Armênia, Pérsia…

Elas são o que acontece quando um apóstolo atravessa o deserto e nunca mais volta, mas deixa acesa uma lâmpada que ninguém pode apagar.

É preciso dizê-lo com humildade e firmeza: as Igrejas orientais não são uma excentricidade dentro da Igreja católica. São sua origem plural, sua primeira respiração, a prova viva de que a unidade não exige uniformidade, mas fidelidade.

E quem compreender isso entenderá também o que significa ser realmente católico.

Eu não nasci no Oriente. Nasci dentro do cristianismo católico ocidental.
Por isso creio que meu testemunho tem valor, porque não sou oriental por imposição de uma circunstância geográfica, nem pela simples prática de uma tradição determinada. Mas também não sou “uma ocidental brincando de ser oriental”, como muitos pensam em Roma a respeito de pessoas que, como eu, decidiram seguir seu caminho junto ao povo da estrada antiga. Sou oriental porque me encontrei na forma de sentir e compreender o cristianismo.

Encontrei-me na simplicidade quase inocente de deixar a Deus as coisas que não entendo e buscar, com obstinação, no coração, o sentido humano do Mistério.
Encontrei-me nos cantos que têm muito mais de coletivo do que de seletivo, e que marcam constantemente as estações litúrgicas do ano.
Encontrei-me nos aromas do incenso e do bálsamo, e no tremular das chamas das velas acesas.
Encontrei-me na voz do sacerdote, com seus tons mutáveis, que parecem traduzir os movimentos da alma durante a liturgia.

Não foi fácil. Foi inevitável. Porque cada coisa que surgia ao meu encontro era como um reencontro com algo que permanecera oculto dentro de mim e que agora vinha à tona.

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