A Fortaleza Antônia
(Ant. XV, 11, §7 – Claude R. Conder, Jewish Encyclopedia) -
A Fortaleza Antônia estava ali para vigiar o Templo, mas não para zelar pelo fervor do culto nem pela fé reta — que ela nem compreendia nem lhe interessava — dentro de uma ordem religiosa. Estava ali para controlar o movimento, medir a temperatura do átrio e antecipar qualquer deslocamento capaz de alterar aquele equilíbrio sempre instável.
Não olhava o coração do culto, o Sancta Sanctorum; olhava a periferia: a esplanada, o átrio dos gentios, a massa que entra e sai, o murmúrio que cresce ou se apaga.
Seus vigias tinham os olhos cansados, não por desinteresse, mas por hábito. A vigilância prolongada não se sustenta pelo fervor, mas pelo instinto de conservação. Um erro de avaliação, um gesto mal lido, um silêncio interpretado fora de tempo, e o posto se perde. A vigilância, então, deixa de ser serviço e se transforma em sobrevivência para a guarda antoniana.
Não cuidavam da desordem. Cuidavam da continuidade.
Por isso a Antônia não reagia primeiro à ruptura aberta, mas àquilo que não conseguia classificar com rapidez. O grito externo é fácil de isolar; a faixa se identifica, se nomeia, se coloca fora do perímetro. O que inquieta é outra coisa: a palavra que permanece dentro, a presença que não se oferece como inimiga, a provocação que não levanta poeira imediata, a razão que, se reprimida, chama mais atenção do que produz ordem real e que, ainda assim, desacomoda o chão.
Há gestos que acionam alarmes e gestos que os contornam, não por astúcia calculada, mas por natureza. Nem toda verdade irrompe; algumas verdades se infiltram, passando por fendas naturais que não se anunciam. Não avançam como multidão, mas como pergunta; não se impõem, não alvoroçam, não respondem a demandas, apenas obrigam a pensar.
O problema para os soldados antonianos não é o conflito visível, mas a ambiguidade fértil. Eles sabem que o verdadeiro perigo está naquilo que não podem denunciar sem se expor, nem aprovar sem se trair. Quem fala de fora vira ruído; quem grita confirma a guarda. Quem permanece e não acusa, mas também não absolve, desarma a cena.
Jesus foi perigoso apenas por isso. Não porque levantasse a voz — isso foi episódico —, mas porque não pôde ser lido a tempo. Não pertencia à desordem que se reprime nem à ordem que se administra. Caminhava por dentro sem dever nada à Antônia e sem pedir permissão ao Templo.
Durante a maior parte de seu ministério, a Antônia não teve razões para fixar nele uma atenção sustentada além de percebê-lo em sua área de alcance. A Galileia não era seu campo; as aldeias, os caminhos secundários e as sinagogas locais não ativavam dispositivos de controle. Ali não havia esplanadas multitudinárias nem festas carregadas de memória política, e foi ali que o galileu passou a maior parte de seu tempo.
A proximidade real começou quando Jesus subiu a Jerusalém e permaneceu. Quando ensinou à vista de todos, no espaço mais sensível do recinto — o átrio —, não no santuário, mas naquele lugar fronteiriço onde o culto roça a multidão e a palavra pode se tornar movimento.
Foi então que entrou no campo visual da Antônia, não como agitador, mas como fator imprevisível. As festas da Páscoa tensionavam o ar, Roma duplicava a vigilância, e Jesus sabia disso.
Houve um gesto que deveria ter acendido alertas mais nítidos: a expulsão dos mercadores. Não pela força, mas pela localização e pela carga simbólica. Alterou a ordem do recinto e tocou, ao mesmo tempo, um nervo econômico e religioso. Ainda assim, não houve intervenção imediata. A Antônia observou, mediu e esperou.
Não houve enfrentamentos diretos nem choque frontal; houve avaliação constante. Jesus não incitava à rebelião, não convocava armas, não oferecia consignas políticas. Quando foi interrogado sobre o tributo a César, sua resposta desativou qualquer acusação romana possível; naquele momento, deixou de ser um problema para o império e se tornou definitivamente um problema interno.
A Antônia não interferia em problemas internos alheios; tinha os seus próprios, representando a força do império. Não o procurou: reagiu quando outros decidiram entregá-lo já classificado. Até então, deixou-o mover-se, falar e ensinar, porque o que ainda não se encaixa não se reprime — vigia-se —, e a vigilância não havia emitido alarmes reais.
É aí que reside o desconforto profundo. Jesus não ameaçava a ordem por confronto, mas por deslizamento; não desencadeava distúrbios, mas deslocava sentidos; não rompia o equilíbrio de uma vez, mas o tornava instável.
O galileu ensina com autoridade própria, responde a fariseus e saduceus, não incita à rebelião, mas também não se alinha a nenhuma facção controlável. Roma, por sua vez, é concisa, prática e pragmática: para Roma, o caso de Jesus é ambíguo, não criminoso; não atenta contra o poder, não atenta contra a continuidade, não move multidões.
Jesus nunca se ocultou da Antônia desde que chegou a Jerusalém. Permaneceu sempre sob o prisma de sua vigilância, quase se colocando sob seus olhos, sem temor, mas também sem exposições desnecessárias, e, dirigindo-se a uma multidão que não era sua, falou em parábolas.
Vinte e um séculos se passaram desde aqueles dias.
A fortaleza continua ali.
Sempre esteve.

Comentários
Postar um comentário
Se algo tocou seu coração, partilhe. A palavra é encontro