Quando finalmente decidi escrever este Blog —depois de tantas postergações; tantas!— já não sei se o que faço hoje é o resultado frio de uma decisão executada sem tremor, ou a necessidade quente de algo que vem insistindo por dentro, martelando sem trégua.
Seja como for, aqui vou eu.
Porque, no fim das contas, das coisas realmente importantes da nossa vida, quase sempre somos inconscientes e alheios. Não fomos conscientes do nosso nascimento, e tampouco fazemos a menor ideia do dia da nossa morte.
No entanto, existe uma sequência exata de fatos —conexos, coerentes e quase inevitáveis— que vale a pena expor.
A primeira coisa a dizer, para começar, é que embora saibamos que a única coisa permanente é a mudança, esse conhecimento costuma ficar guardado automaticamente na gaveta do meramente filosófico: uma gaveta que só abrimos para exibir um pouco de brilho intelectual diante dos outros.
Mas quando essa verdade que todos conhecemos —e que guardamos como bagagem quimérica, quase mitológica— se transforma numa realidade que nos atropela, já não há como fugir da coerção dos axiomas que regem o mundo.
Não existe bolha particular nem zona privada de conforto que resista.
Quando a natureza reclama o seu trono, a realidade se curva diante dela.
E nós não somos mais do que uma expressão menor da natureza do planeta.
É claro que não iríamos aceitar uma conclusão tão elementar!
Uma resposta tão simples não nos representa.
Raramente percebemos o quanto de folclore humano carregamos: esse caráter terrestre, esse acervo que nos qualifica e que —entendamos ou não— nos caracteriza como indivíduos e nos identifica como espécie.
Quando pensei em escrever este Blog, não pensei no tema.
Tudo o que está acontecendo, mudando, transmutando, se deslocando e se transtornando nestes dias é, em si mesmo, um tema; e um tema impossível de separar dos outros.
As verdadeiras transformações são assim: um estado anárquico do pensamento e da emotividade humana, uma decantação natural entre o apto e o inepto.
Difícil de entender, mas fácil de perceber.
Por isso, vivemos um tempo em que nada parece fazer muito sentido. E realmente não pode fazer, porque os velhos sistemas já não funcionam, e ninguém está muito seguro de que exista outro sistema tentando se instaurar. E, se existe, tampouco está funcionando.
Essas transições não acontecem do dia para a noite.
Começam décadas antes como uma espécie de erupção social de origem incerta, brotando por todos os lados sem diagnóstico preciso.
Então começam a surgir as teorias mais disparatadas sobre as causas.
As causas “sociais” são as preferidas, porque somos animais que acreditam ter um sistema sofisticado de convivência, quando na verdade tudo pode ser reduzido a três pontos básicos: alimentação, reprodução e hierarquia.
E nos tempos que mediam entre a queda de um sistema e a ascensão de outro, essa anarquia generalizada que invade tudo liberta o homo sapiens de toda fidelidade consciente ao velho regime e de qualquer compromisso com um novo (se é que existe algum).
Literalmente, cada homem e cada mulher se converte numa ilha de governo autocrático.
Mas essas ilhas continuam navegando no mesmo caldo de cultivo.
Esse é o nexo: o indissolúvel, o inquebrantável, o que sustenta tudo como parte de um Todo.
E tudo é relativo quando falamos do Todo.
Hoje, quando nada se entende bem, a palavra “relativo” ganha um significado que antes não lhe dávamos.
Segundo Yuval Noah Harari, somos algoritmos que manipulam mitos.
Essa é, mais ou menos, a conclusão de sua impressionante radiografia da humanidade em seus livros mais conhecidos.
E talvez Harari tenha bastante razão, só que sua radiografia não explica por que esses algoritmos falharam, ou se, na verdade, essas supostas falhas não são falhas, mas natureza, e que sentido têm esses algoritmos na lógica do universo.
Tentemos compreender.
Matematicamente, um algoritmo é um conjunto ordenado e finito de operações destinadas a resolver um problema.
Uma cadeia precisa de instruções executadas em ordem para obter um resultado específico.
Então, a pergunta surge sozinha:
Quem teria criado operações tão complicadas, ordenadas com tamanha precisão ao longo de trinta mil anos ou mais, para que elas próprias gerassem mitos que sustentariam novas e mais sofisticadas operações, até desembocar finalmente num caos sem sentido aparente?
Porque… o que mais seria esta humanidade global, psicoticamente assustada, comunicando-se por meio de catástrofes viralizadas?
O que mais seria esta humanidade misturada, assexuada, apreensiva, incoerente, virtualizada?
Um efeito colateral de um algoritmo errado lá na revolução agrícola?
Ou um experimento fracassado desde a revolução cognitiva?
Vai saber.
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