A Profecia Silenciosa da Favara
Aquela foi a minha primeira viagem à Itália, e o meu destino era a Igreja de Maria SS. della Favara, em Contessa Entellina. Mas eu ainda estava muito longe de compreender que nada, nesta vida, acontece por acaso. Eu apenas deslizava pela superfície das águas, sem ter mergulhado, ainda, na imersão batismal das profundezas do espírito. Faltavam anos para isso — e eu nem suspeitava.
O essencial, porém, é que eu permanecia na água, movendo os braços com um desejo de nadar que nascia — Deus sabe de onde. Eu era uma ocidental típica do meu tempo: prática, ocupada no concreto, atenta às respostas imediatas. Uma artista à procura de formas. Um ser humano sedento de mundo. Uma mulher tentando definir o seu lugar.
Hoje eu sei: mesmo que alguém tivesse me contado, naqueles dias, a história da Virgem da Favara, o meu passado até então não teria sido suficiente para compreender o presente que eu vivia. Hoje, quando olho para a Virgem da Favara de Contessa Entellina, aquele passado resplandece no meu presente como uma profecia antiga.
Os tempos de Deus são complexos — incompreensíveis para as nossas realidades humanas —, mas exatos. E perceptíveis, se soubermos olhar com o espírito, para além da brevidade da nossa própria história. Porque os tempos de Deus são eternos. Por isso, só muitos anos depois eu pude conhecer a verdadeira história da Favara, quando já era capaz de reconhecer identidades ocultas por trás daquela imagem de salgueiro entalhado e ouro repousado.
A Virgem da Favara tinha saído ao meu encontro antes mesmo que eu pudesse compreendê-la. Somente com o tempo — e em espírito — ela se revelou diante de mim.
A imagem de Nossa Senhora della Favara foi esculpida entre 1651 e 1652. Mede seis palmos e meio e é obra de Benedetto Marabitti, de Chiusa Sclafani. Ele a realizou por encomenda, conforme as expectativas dos fiéis. Mas que expectativas eram essas? O que esperavam daquela imagem? Por que a desejaram?
A história pode ser reconstruída a partir de documentos eclesiásticos, fontes diversas e da memória coletiva, que guardou — como quem protege uma brasa sob as cinzas — os fragmentos do mistério.
No final do século XIII, monges fundaram um pequeno enclave religioso na floresta de Calatamauro, perto de Contessa Entellina. Ali construíram um refúgio austero, embrião da atual Abadia de Santa Maria del Bosco di Calatamauro. Já no século XIV, vários membros daquela comunidade eram originários de Messina: frade Marco da Messina (documentado em 1310) e, mais tarde, frade Matteo e frade Nicolò da Messina, este último prior entre 1362 e 1366.
É provável que esses monges tenham levado consigo um pequeno ícone-mosaico portátil — uma Odighitria de 82 x 50 cm — hoje conservada na Galeria Regional da Sicília, em Palermo. Obra de mestres bizantinos, é um testemunho puro da arte protopaleóloga: técnica madura, beleza rara, materiais ancestrais — ouro em folha, pasta vítrea opaca e translúcida, pedra talhada.
Seu estilo aproxima-se dos mosaicos de São Gregório, em Messina. A Odighitria — a Virgem que indica o caminho — mostra a Mãe apontando, com a mão direita, para o Menino sentado em seu braço esquerdo; o Menino, por sua vez, abençoa “à grega” com uma mão, e com a outra segura o rolo. A tradição atribui a São Lucas o modelo primitivo dessa imagem.
Provavelmente, o ícone foi colocado provisoriamente numa pequena capela, enquanto se esperava a construção de Santa Maria del Bosco. Em 1308, na antiga aldeia de Contessa, havia duas igrejas rurais abertas ao culto, ambas sob os cuidados de um capelão chamado Benedetto.
Uma delas, dedicada a São Nicolau, situava-se no bairro de Musiche, cortado pela torrente Favara. É possível que o ícone e sua devoção tenham sido guardados ali. Mas um grande deslizamento de terra — ainda hoje visível na geografia — soterrou a igreja e as casas ao redor. O desastre levou ao abandono da aldeia, que permaneceu vazia até o repovoamento pelos albaneses na segunda metade do século XV.
Foi então, após a chegada dos arbëreshë, que se encontrou perto da fonte Favara — ou em suas imediações — uma «lápide com a imagem da Virgem». A descoberta ocorreu justamente na área afetada pelo desabamento, onde antes se erguia a antiga igreja.
Um contrato lavrado pelo notário Pietro Schirò, em 20 de março de 1650, documenta que o entalhador Giuseppe Di Lorenzo recebeu o encargo — dado pelos condes Antonino Musacchia, Aloisio Vitagliotta, Giovanni e Pietro Chetta, Andrea Schirò, Biagio Xiamira e Giovanni Franco — de fornecer uma grade de nogueira, com nove palmos de altura, para proteger a imagem da Madonna della Favara, a chamada Madonna del Muro. Importa dizer: ainda não se tratava da estátua que viria dois anos depois.
A estátua que eu encontrei na igreja — o meu primeiro destino na Itália — é, na verdade, uma imagem tipicamente ocidental: uma Favara com os traços tradicionais da Odighitria de São Lucas, transposta do mosaico para a tridimensionalidade. É um testemunho singular da fusão entre a tradição sacra oriental (o ícone) e a expressão escultórica da arte ocidental.
E sinto profundamente que Maria SS. della Favara me recebeu vestida à ocidental, para não me confundir… Mas era, na verdade, o Oriente, na Odighitria, que me mostrava o caminho.
De qualquer forma, aprendi outras coisas naquele dezembro siciliano, enquanto esperávamos uma nevasca de Natal que nunca chegou. Aprendi que ser artista assume matizes diversos conforme a geografia, mas guarda a mesma dificuldade de adaptação em qualquer parte. Aprendi que compreender é vibrar na mesma frequência, além do tempo e do lugar — seja no passado, seja no presente. E que tudo o que não entendemos, não aceitamos, não dominamos ou não sabemos… mandamos para o futuro. Talvez por isso a maior parte dos nossos medos habite lá.
Aprendi, finalmente, que partir nem sempre é bom, e voltar nem sempre é simples. Sacudir a poeira das sandálias exige uma liberdade de espírito que raramente conquistamos.
Meu encontro com o Oriente cristão havia começado — física e espiritualmente.

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